AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5006947-78.2011.404.7201/SC
AUTOR | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RÉU | : | ESTADO DE SANTA CATARINA |
: | FEDERACAO CATARINENSE DE FUTEBOL |
DESPACHO/DECISÃO
1. Trata-se pedido de reconsideração da decisão proferida no dia de hoje em regime de plantão. Com razão o MPF, a decisão da Justiça Federal de Florianópolis extinguiu o processo, o que impede que o feito seja redistribuído a Justiça Estadual. Coisa bem diferente seria se tivesse entendido pela incompetência e declinado para a Justiça Estadual, decisão que aí sim teria prevalência, a teor do art. 93, II do CDC. Não há mais risco de decisões conflitantes, a vis atractiva foi extinta. Com a extinção da ação civil pública de Florianópolis este juízo deve se manifestar sobre o pedido de liminar sob pena de perecimento de direito.
2. Preliminarmente entendo que há interesse federal para a lide, haja vista o disposto no artigo 109, inciso III da Constituição Federal assim dispõe:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;
Pois bem, o Decreto 678 de 06 de novembro de 1992, promulgou a Convenção americana de Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica) em solo brasileiro, e disse:
Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Dito isso, basta verificar que o artigo 13 da referida convenção estabelece um importantíssimo princípio, qual seja, o da liberdade de expressão, que é corrolário direto do princípio da liberdadelato sensu, verbis:
'toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.'
É o entendimento dos tribunais quanto aos tratados, em casos assemelhados: STJ CC 111338/TO, IDC 2/DF 3ª. Seção , TFR Edcc2374-0 SP Min. Pádua Ribeiro, AC 58.781-RJ. De igual modo o professor e eminente Desembargador do TRF-5 Vladimir Souza Carvalho- Competência da Justiça Federal, Ed. Juruá, 4ª. Ed. P. 141.
Não desconheço a posição jurisprudencial que entende que nem toda hipótese de ofensa a tratado é de competência federal. Porém, aqui se fala de direito fundamental, de que tanto tem se preocupado o colendo STF.
Dito isso, resta evidente que se alguém (pessoas físicas ou jurídicas, entes, órgãos, etc) descumprir tal preceito estabelecido nesse tratado, o qual a União se comprometeu a cumprir, eventual ação judicial será de competência federal.
3. Fixada a competência federal, entendo que a competência pertence a esta subseção, cfe. Art. 93, I da Lei 8078/90. O STJ já pacificou que o local onde ocorre o dano fixa a competência para fins de Ação civil pública, vg. Resp. 1.120.117-A Min. Eliana Calmon. Tudo isso porque Joinville sediará um jogo de futebol que estará sob ingerência da Federação Catarinense de Futebol, cfe se vê emwww.jec.com.br/notícias, acessado hoje.
4. Quanto ao mérito, o doc. out 04, vê-se que a Federação Catarinense de Futebol não permitirá qualquer tipo de manifestação alusiva a figura do atual presidente da CBF. Pois bem, o artigo 5º, IV da Constituição Federal diz:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Num Estado Democrático de Direito não se pode tolher o direito das pessoas se manifestarem! Para aquele que se sentir ofendido o próprio artigo 5º, inciso V assegura o direito de resposta.
Liberdade de expressão consiste na sublimação da forma das sensações humanas, ou seja, nas situações em que o indivíduo manifesta seus sentimentos ou sua criatividade, independentemente da formulação de convicções, juízos de valor e conceitos, apud Luiz A. David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, 2005, pág. 132) .
O direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental' representa, conforme adverte HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, 'o mais precioso privilégio dos cidadãos (...)' ('Crença na Constituição', p. 63, 1970, Forense).
Não bastasse isso o Pretório Excelso, ao julgar o HC 87.585/TO, reconheceu que o Pacto de São José da Costa Rica foi incorporado ao ordenamento pátrio com status de norma supralegal. Temos então um direito duplamente protegido constitucionalmente, art 5º, IV da CF e art.13 da CADH. Por conseguinte os tratados internacionais de direitos humanos que derrogam as normas infra-legais contrárias ou, como diz o STF, esses tratados paralisam normas legais contrárias.
Mas a liberdade de expressão não é salvaguarda para ilícitos, vg:
O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o 'direito à incitação ao racismo', dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.' (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004.)
Neste contexto entendo que se as manifestações de pensamento forem pacíficas a recomendação da Federação Catarinense de Futebol não pode impedir a entrada dos torcedores nos estádios, nem retirá-los dali. Se ilícitos forem cometidos deverão ser apurados. Mas não se pode impedir de maneira abstrata uma manifestação de pensamento pelo simples fato de não se saber se a mesma será lícita ou não.
5. Assim concedo a liminar para que a Federação Catarinense de Futebol e o Estado de Santa Catarina se abstenham de retirar e/ou impedir o ingresso de torcedores que estejam manifestando seu pensamento, crítica ou não.
Fixo multa de R$100.000,00( cem mil reais) caso esta decisão seja descumprida.
Tendo em vista o perigo da demora e que em Joinville foi interposta a primeira Ação Civil Pública, estendo os efeitos da liminar para o âmbito de todo estado de Santa Catarina.
6. Intimem-se com urgência as partes e o Comandante-Geral da Polícia Militar de SC, visto que é a instituição estadual que cuida da segurança dos estádios de futebol.
Joinville/SC, 27 de agosto de 2011.
LUCIANO ANDRASCHKO
Juiz Federal Substituto
Documento eletrônico assinado por LUCIANO ANDRASCHKO, Juiz Federal Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfsc.jus.br/gedpro/verifica/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3877701v2 e, se solicitado, do código CRC DAE8B93E. | |
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Signatário (a): | LUCIANO ANDRASCHKO:2523 |
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Data e Hora: | 27/08/2011 17:47:28 |
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